Porque lembrar é preciso...

Porque lembrar é preciso...
"Partire è un pó morire", dice l’adagio, ma è meglio partire che morire, aggiunge Carrara. ("Partir é morrer um pouco", diz o adágio, mas é melhor partir do que morrer, retruca Carrara.)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

De Angela para Annita e vice-versa... as jabuticabas no avental (texto de Francisco Braido)

Talvez o que mais havia entre as famílias imigrantes era a cooperação e o respeito entre elas. Tudo devido à mesma história de separação entre a terra natal e a outra que escolheram para viver, sem falar na vida de muito trabalho.
Quem me contou esta passagem foi Nair, uma das filhas de Annita Loro, imigrante que chegou ao Brasil em 3 de março de 1897. Annita era vizinha de minha bisavó Angela Da Re, na Vila Cruz, lá pelos anos 1950-60. A bisa morava na casa de esquina da rua Champagnat. Annita do outro lado da mesma rua.
Ela conta: "Eu estava grávida do Lourival e na casa da frente tinha um pé de jabuticaba. As italianas usavam aquele vestido comprido e sempre um avental. A dona Angelina fez do avental uma sacolinha e foi me levar jabuticabas. Ela me disse que estando eu grávida não poderia ficar com vontade e que a criança tinha que nascer bem".
Gentileza feita, a bisavó retornou para casa. Mas, no meio do caminho tinha uma pedra (como dizia Drummond) e ela caiu na rua. Annita rapidamente foi ao seu socorro, ajudou-a a levantar e foi com ela até a casa. Tão gentil como o fora Angela minutos antes. Duas mulheres se socorrendo, apesar das diferentes situações.
São os episódios da vida, simples, mas que demonstram pequenas gentilezas com o próximo, tão raras hoje em dia.
É bom lembrar da bisavó Angela assim, generosa e prestativa, carregando jabuticabas no avental...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Família Braido: “filius di Vittorio” (texto de Francisco Braido)

brasão da cidade de Vittorio Veneto

Caro leitor, se você não entendeu e estranhou o título não se preocupe. Quando se inicia um trabalho de pesquisa sobre família, muitas coisas jamais serão entendidas, e devemos somente aceitá-las. Faz parte da história de cada familiar que nunca iremos ou poderemos mudar.
Depois de ler estas linhas, creio que entenderão o título.
Desde 1994 que busco referências sobre meus ascendentes Braido e, entre encontros e desencontros, posso dizer que estou na estaca zero. Porém, entendo que estou no caminho certo, mesmo passados mais de 16 anos de busca.
Quando iniciei a pesquisa, a primeira coisa foi buscar naquela velha caixa de documentos, no guarda-roupa, os "papéis velhos". Isso mesmo, muitos se referem aos documentos como simples papéis. Lá encontrei certidões com as primeiras informações, avós e bisavós. O segundo passo foi procurar a nona, e não é que a coisa fluiu? Pelo menos com um dos ramos de minha família. Quantas saudades da vó Maria Maiochi!
Bem, voltando aos Braidos, sobre eles quase nada, apenas alguns nomes - Jácomo, Francisco e Magdalena. Algum tempo depois apareceram João, Bepe, Maria, Ana (difícil tradução no documento que descrevia uma tal de Ometa), Catarina e outro João.
Procurei meus tios para contarem o que sabiam. Fui agraciado com uma foto amarelada, lá estavam o bisavô Francesco, com o bigode do típico italiano e o chapéu, sua esposa Magdalena e um dos filhos (tio Bepe, nas palavras da minha tia) com a mulher Angela. Quem me deu esta foto já não está mais aqui, e talvez fosse a única pessoa que poderia me ajudar neste quebra-cabeça.
Não satisfeito, fui procurar mais informações na internet. Naquela época, somente alguns sites de buscas, ainda não havia o "são Google". Verifiquei que muitos Braidos eram originários da cidade de Vittorio Veneto. Pensei que o caminho estivesse correto, já que esta cidade pertence à província de Treviso. Este nome já aparecia no documento de óbito do Francisco. No da Magdalena era província de Udine.
No próximo passo fiz um simples cálculo para descobrir uma data provável de nascimento e uma carta dirigida à prefeitura daquele município. Demorou, mas a resposta chegou. Não encontraram nenhum Francesco Braido em Vittorio Veneto.
Busquei novos horizontes de pesquisa, fui até São João da Boa Vista, cidade vizinha no interior paulista. Meu avô Jácomo nasceu lá. Mais de 10 livros de registros sobre a mesa me esperando, passei a tarde na Delegacia Seccional. Encontrei alguns integrantes da família Braido, assim como de outras conhecidas, mas nada que ajudasse. Outras cidades apareceram como referência, tais como Susegana, Codognè, Godega di Sant´Urbano, Treviso, Colle Umberto e tantas outras. Escrevi, e como sempre as respostas voltaram negativas.
Bom, então parti para outra família, os Passoni. Mais surpresas. Se um determinado Carlo Passoni, ao chegar ao Brasil, virou José, e se a família De Ponte virou Nicola, porque o senhor Francesco não poderia ter trocado de nome?
Eu já tinha listas de desembarque de vários Braidos, relacionei todos. O que mais se aproximava daqueles que eu procurava era um Pacífico Braido. Não dei a devida atenção a este imigrante, seria somente mais um registro?
Conversando com minha prima Delma, tomando um café lá no Sá Rosa (é sagrado este bendito ou maldito café), sempre com papel, caneta e calculadora na mão, fui alertado. Pode ser esse quem eu há tanto tempo procuro.
Como não tinha muitos dados, pesquisei os casamentos em determinado período. Não é que encontrei o matrimônio de uma Braido, filha do Francisco? Mas seria Francisco ou Pacífico? Ainda não sei... porém havia uma referência importante. Obviamente, o sobrenome estava errado, me deparei com uma Braz e não Braido. Grafia errada, mas pequena, perto do que já encontrei por aí. O que eu procurava estava lá. Animado, investi novamente.
Não tenho uma resposta definitiva ainda sobre a cidade de origem de minha família, ou mesmo sobre minha família, mas estou chegando lá.
De Francisco para Pacífico é um pulo. Se for, posso encerrar este pequeno e "trabalhoso ofício" certo que somos fiilius di Vittorio, ou se preferirem, num tom abrasileirado, os filhos de Vittorio Veneto.
É um mérito ser filho de Vittorio? Não, o mérito é encontrar suas raízes e respeitar aqueles que saíram de sua pátria para fazer em outra nação sua vida. Construir a outra história, a nossa história!

sábado, 19 de junho de 2010

nome, cognome, soprannome, tutti pari...(nome, sobrenome, apelido, tudo igual)


Umas das coisas mais engraçadas (e interessantes) deste meu andar em busca dos antepassados é conseguir decifrar o que está escrito nos registros da igreja, do cemitério e do cartório civil. Acostumada ao conforto dos documentos digitados, demorei para me familiarizar com a escrita quase rabiscada desses livros antigos. Algumas vezes, confesso, me deu vontade de chorar diante do inexplicável emaranhado de letras e em outras ocasiões ri muito do jeito com que foram grafados os nomes e localidades. Fico imaginando os bisavós chegando na igreja pra registrar o filho ou casar a filha. Era uma luta. De um lado o italiano semianalfabeto, mais acostumado com a enxada do que com a caneta, falando com sotaques e acentos uma língua toda própria. Do outro lado, o funcionário do cartório, o padre ou sacristão, que escrevia do jeito que escutava e nem sempre com 100% de boa vontade. O resultado é o que tento entender quando me debruço sobre o livro à procura do mistério da minha origem: letra bordada e nome desalinhado.
Eu e o Chico (Francisco Braido, pra quem não conhece), meu primo e companheiro nas desventuras genealógicas, anotamos algumas dessas discrepâncias.
Amilcare – Amilcar, Amilcarle, Amicare e, pasmem, Miguel
Maiocchi – Maichi, Maioqui, Manhocchi, Marrochi, Mayochi
Anna – Anita, Annita, Aneta, Ometa
Sacile – Satile, Sachire, Chachile, Cecile, Cecilia, Catile
Da Re – Daré, Dal Re, Del Re, Daret, De Ré, Dare
Braido – Braida, Braite, Bras, Braz, Braide, Brait
Dotta - Dota, Dotto, Dotti, Doto, Doti
Passoni – Passone, Passon, Passomi, Passoli, Pessoni, Passali, Bassoni
Malinverno – Malinverni, Maniverno, Malinberni,
Migot – Mingoit, Migott, Mingoiti
Pizzol – Pisol, Pizzola, Pisolo, Pizzoli
Zucato – Zocatto, Sucato
Móras – Moraes, Morais, Morás, Moro
Lappi – Lapis, Lape, Lapi
Cancian – Canciano, Canziano, Canzian, Cassiano, Cantiani, Cantiane, Alcanziani, Kanssian, Canssian
Taffarelli - Tafarel, Tafarelo, Tafareli, Taffarello
Giuseppina – Juseppina, Giusephina
Maddalena – Magdalena, Madalena, Maddalenna
Marrafon – Marrafão
Zanetti – Zanette, Zaneti, Zanethi, Zante
Bruschi - Brusque
Colombo – Colomba, Colombi
Baron - Baroni, Barroso
Giusepina - Jiusephina, Pina

quinta-feira, 10 de junho de 2010

o nome dela começa com L

A sapecagem das crianças ultrapassa todas as explicações psicológicas. Por que fazer uma arte sabendo que vai apanhar? Ainda mais quando o castigo viria através de uma mão grande e pesada como a do meu avô Bidin Maiochi. Mas não era assim que pensava a pequena menina de cabelos castanhos que morava naquela casa da Vila Cruz. Para ela, que nunca parou quieta, o que viria depois da brincadeira não importava muito. O interessante era ver o nono enfezado. Há dias ela esperava uma ocasião para colocar mais um plano em ação. Durante as tardes, o nono e dois de seus irmãos, Bepe e Carlo, sentavam-se num degrau da porta da sala da casa para conversarem. Ficavam lá bastante tempo, lembrando e rindo de coisas que nunca saberemos. Naquele dia tudo deu certo para as maquinações da menina: o pai não estava, a mãe cozinhava atarefada, o irmão mais velho tinha ido buscar qualquer coisa que o nono tinha pedido, o mais novo dormia quietinho no berço. Tudo perfeito. Pegou um copo cheio de água e deixou o líquido escorregar por debaixo da porta bem devagar... não esperou pra ver, mas escutou os xingamentos dos três velhos que se levantaram depressa com os fundilhos das calças molhados...

a flor no guidão da bicicleta


Minha tia Lourdes nasceu na fazenda Santa Alina, numa casa com duas portas de frente pra rua. Era assim porque tinha sido construída para ser geminada, mas como a família Nicola era grande ocupava todos os cômodos. Minha mãe me conta que quando a tia era pequena costumava perder o fôlego ao chorar, chegando a ficar roxa. Tia Maria, a irmã mais velha, não sabia o que fazer pra acudir a criança e minha mãe corria pra se esconder, de medo de ver a pequena irmã morrer. Mas, apesar de tudo, tia Lourdes cresceu e se tornou uma moça muito bonita. Era do tipo “mignon”, mas esbelta e com rosto suave e delicado. Na juventude era alvo dos não muito discretos olhares dos moços da fazenda. Mas os seus olhos queriam mesmo era encontrar os de um dos irmãos Maiochi, família que morava um pouco à frente, na curva da estrada que levava ao campo de futebol. O coração batia confuso quando o via chegando da lida de tardinha. E o rapaz também se sentia atraído por aquela moça na janela. Durante muito tempo os sentimentos ficaram guardados, escapando apenas na troca de olhares, nas danças de bailes e nas poucas palavras trocadas. Mas o futuro os dois já sabiam... um dia ela estaria vestida de noiva e ele a esperaria no altar da igreja.
Neste texto tem um bocado da minha imaginação, mas eu o construí ouvindo o tio Roque me falar da tia Lourdes em várias ocasiões. E ele sempre me diz que sentia, lá no seu coração, que os dois iriam se casar. E quando eu perguntei de onde vinha tanta certeza ele confessou: eu sabia desde o dia em que encontrei uma flor que ela colocou no guidão da minha bicicleta...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

sacerdote da vida


Ele tinha a chave da pequena igreja de São José da fazenda Santo Aleixo. Cuidava dos paramentos e objetos litúrgicos com a mesma devoção que um sacerdote o faria. Sua missão mais importante no pequeno povoado de imigrantes era celebrar os ofícios fúnebres. “Libera me Domine, de morte aeterna”, cantava com sua voz forte, encerrando a triste tarefa de ajudar no sepultamento de alguém da colônia. Luigi Da Re chegou ao Brasil em 26 de novembro de 1897 com a esposa Santa Zanetti, a mãe Angela Coure e as filhas Marina, Angela, Giovanna, Elvira e Maria. Veio de Udine, na região vêneta, e tinha 38 anos ao desembarcar. Agricultor, seu destino não poderia ser outro que uma das tantas fazendas que necessitavam de mão-de-obra para ainda substituir os escravos. Esse meu bisavô paterno, magro e não muito alto, de alma e gestos piedosos, plantou aqui a sua descendência. Viveu sua vida longe do lugar onde nasceu, manteve a sobrevivência da família, gerou outros filhos, viu milhares de pés de café serem transmutados de semente a fruto seco no terreiro. E, em meio à dura lida da agricultura, foi generoso com as pessoas até em seus derradeiros momentos nesta existência. Amparou, com suas orações e cantos, a alma que buscava a luz e contribuiu para diminuir a dor de quem ainda ficava. Luigi, o nono piadera, é o nosso exemplo mais claro de compaixão e doação. Desejo muito que alguém tenha cantado e rezado no dia de sua morte, mas tenho certeza que ele encontrou, lá nos campos do céu, todos aqueles a quem ajudou na travessia.