Porque lembrar é preciso...

Porque lembrar é preciso...
"Partire è un pó morire", dice l’adagio, ma è meglio partire che morire, aggiunge Carrara. ("Partir é morrer um pouco", diz o adágio, mas é melhor partir do que morrer, retruca Carrara.)

sábado, 4 de setembro de 2010

A partilha


Alfredo e Thereza e a casa deles na Santa Alina

Meu tio-avô Alfredo Passoni, diferente de quase todos da família, casou-se com alguém com outro sobrenome. A morena Thereza Zaghi, de São Sebastião da Grama, chamou sua atenção e ele resolveu fugir da tradição de desposar primas. Era 1926. Ele tinha 22 anos e ela 19. Casaram-se na antiga matriz de Poços e foram morar na fazenda Santa Alina. A vida dos dois, assim como a de todos na zona rural, era de muito trabalho e pequenas alegrias. Alfredo saía bem cedo pra se juntar aos irmãos e cuidar da plantação de café. Thereza fazia as tarefas da casa, da horta, dos pequenos animais e de um jardim talvez. E, claro, cuidava das crianças, que nasciam sempre. Tiveram nove filhos. Depois de 19 anos juntos, uma doença chamada paratifo separou Alfredo de Thereza. Ele morreu em 1945, na fazenda, com apenas 42 anos. Minha mãe diz se lembrar dele, acamado, seu corpo grande sofrendo com dores. Ela conta que ele era um homem bom, que cuidava bem da família.
A Thereza restaram a dor, as lágrimas, a solidão e nove pares de olhos que buscavam entender o que acontecia. O que fazer para o sustento de todos?
Depois de muito pensar Thereza chegou à única, e dolorosa, decisão que poderia tomar: deixar os filhos com os cunhados e a sogra (minha bisavó Sophia). Ao menos ficariam resguardados e poderiam crescer em segurança.
E assim foi feito. Pelo que me contam a partilha da família Passoni-Zaghi ficou assim: Osmídia foi criada pelo meu tio-avô Isidoro, Maura pelo André Passoni, Iracema e Isaura pelo meu tio-avô Ambrósio Passoni, Isolina pela Leontina, Zeca pelo meu tio Luiz Nicola, Mané pelo meu tio-avô Paschoal Passoni, Benedito pelo meu avô Ernesto Nicola. Da filha Aurora não tenho conhecimento.
No assento de óbito de Alfredo consta que ele não deixava bens a inventariar. Mas tenho certeza que Thereza não pensava assim. Os bens mais preciosos que os dois podiam ter precisaram ser "partilhados". Quem os recebeu herdou um "pedaço" do ente querido que tinha partido. Quem os entregou morreu um pouco a cada despedida. Nem gosto de imaginar o último olhar da mãe para o filho que deixava. Portas se abriam em acolhida e seu coração se trancava na tristeza.
Eu não tenho os detalhes desta história, sempre a ouvi da maneira que descrevi. Ninguém me contou como foi para aquela mulher perder a família inteira num piscar de olhos. Quantas noites passou sem dormir naquela cama vazia de Alfredo e cheia de aflições. Corajosa tia Thereza! Ela foi embora da fazenda, parece que para São Paulo, junto com uma das filhas. Não se soube mais dela. Há uns dias o Chico me disse que ela tinha falecido em Vinhedo em 1981. Longos 36 anos depois foi se encontrar com Alfredo. Finalmente pode descansar a cabeça em seu ombro se sentir reconfortada.