Porque lembrar é preciso...

Porque lembrar é preciso...
"Partire è un pó morire", dice l’adagio, ma è meglio partire che morire, aggiunge Carrara. ("Partir é morrer um pouco", diz o adágio, mas é melhor partir do que morrer, retruca Carrara.)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

"il dichiarante" (o declarante) - texto de Francisco Braido

Cresci na casa da vó Maria, nascida Maiochi e empossada Passoni. Ela era uma daquelas pessoas que adorava as histórias de família. Não tinha preguiça quando eu, na minha curiosidade, a questionava sobre seus pais e a vida na fazenda. Várias vezes, na cozinha, tomando café, eu a escutava e viajava na suas histórias das pessoas e de como era duro o trabalho na roça. Em todas as conversas notava sua emoção, seus olhos brilhavam. Um misto, talvez, de alegria por lembrar de pessoas queridas e tristeza de uma vida de muito trabalho e privações.
Nas nossas conversas era comum a nona mencionar algumas famílias, como os Mapelli, Dal'ava, Bruschi, entre outras.
De todos lembrados por ela, até hoje nunca esqueci a ênfase destinada aos Mapelli. Talvez, porque a família Passoni mantinha com eles estreitos laços de amizade e união.
Quando iniciamos a busca de nossos parentes, eu e a prima Delma,
também nascida Passoni Maiochi, mas que no fundo tem o sonho de ser Braido, nos deparamos com situações, no mínimo, curiosas e engraçadas.
Jamais poderia imaginar que um cidadão Mapelli exercia um encargo tão nobre na época: ser declarante e testemunha dos inúmeros nascimentos, batizados e casamentos ocorridos nas fazendas. Seu nome era Luiz.
Na maioria dos assentos da família Passoni (e até dos De Ponti/Nicola), encontramos: Declarante o
senhor Luiz Mapelli; Testemunha Luiz Mapelli; Padrinhos Luiz Mapelli e esposa.
Delma e eu nos encontramos semanalmente para dividir descobertas, e até mesmo para tratar de coisa séria, tudo isso regado a muito café. Ela é bem mais organizada que eu, e quando lança de sua bolsa seus cadernos de anotações, sai de baixo! Muitos registros aparecem, consequentemente, o nosso declarante preferido também.
Ao imaginar como deveria ser, as brincadeiras surgem. Ficamos imaginando como seria a conversa antes de chegar ao cartório. O sr. Luiz Mapelli, na porteira, com o seu "papelli", olhando
para seu relógio de bolso, imaginando se havia nascido alguém naquele dia, para que ele pudesse ir ao cartório e fazer o registro. Ou então, ele indo até a casa dos vizinhos dizendo, com aquele sotaque italiano pouco inteligível: "ô cumpadi nasceu quantos aí? Já registrou? Mas, pelo tanto de assentos que aparecem seu nome, surgiu até a possibilidade dele ter uma mesa cativa no cartório para que sempre fosse o declarante.
Os registros naquela época eram feitos "por pacotes". Depois de nascidos dois, três, quatro filhos é que se lembrava que era necessário registrar. Aproveitava-se a ida de alguém ao cartório e essa pessoa levava o encargo de registrar todos de uma vez. É assim que o nome de Luiz Mapelli aparece seguidas vezes em vários registros de igreja ou cartório. Recentemente, encontramos em São Sebastião da Grama seu último descanso. Tomara que em seu óbito conste como declarante um dos Passoni, numa sincera troca de favores. O último. Portanto, sr. Luiz, registro aqui uma singela homenagem ao seu trabalho de deixar documentado os acontecimentos de nossa família. Assim, nos foi possível encontrá-los e recontar suas histórias.
Ao cartório, cumpra-se!

Livros antigos do cartório de Caconde-SP