Porque lembrar é preciso...

Porque lembrar é preciso...
"Partire è un pó morire", dice l’adagio, ma è meglio partire che morire, aggiunge Carrara. ("Partir é morrer um pouco", diz o adágio, mas é melhor partir do que morrer, retruca Carrara.)

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Pequenas conversas familiares

Banquinho em que Júlia Maiochi Zanetti sentava para amamentar (feito pelo esposo Antônio)


Dando continuidade às pequenas entrevistas com meus parentes, a próxima a se sentar à mesa do café é Luciana Zanetti (neta de Júlia Maiochi Zanetti), que compartilha suas lembranças, curiosidades e sentimentos sobre nossos antepassados italianos. 

Para você, o que significa ser descendente de italianos hoje em dia? 

Significa carregar uma história de coragem e resiliência. É ter um DNA cultural que valoriza a família, a comida feita com as mãos e com a alma, e uma paixão vibrante pela vida. Hoje em dia, é uma ponte entre o Brasil e a Itália, uma busca constante por entender e honrar o sacrifício de quem veio antes. É sentir-se parte de algo maior, que vai além das fronteiras. 

Tem alguma tradição italiana que você gostaria que a nossa família mantivesse viva? 

Com certeza, a tradição dos almoços de domingo com a família reunida. Não apenas comer, mas a ritualística: preparar a massa fresca, sentar à mesa, conversar alto e a bagunça feliz das crianças. É ali, em volta da mesa, que a nossa história é recontada. Outra coisa que eu adoro é a lembrança de ir pra casa da vó Júlia aos domingos depois do almoço, o encontro com os primos, as tias, a pipoca da tarde, o baralho jogado com meu avô e o terço rezado rigorosamente depois de arrumar a cozinha da janta, dava aquela sensação de segurança, a sensação que a semana toda ia dar certo, que tínhamos com quem contar. 

Se você pudesse fazer uma pergunta para o nosso antepassado que imigrou, o que você perguntaria?  

Eu perguntaria: 'Nos momentos de maior solidão ou dificuldade no Brasil, o que o senhor pensava ou o que o senhor sentia que lhe dava a força para continuar e construir o futuro de seus filhos e demais gerações? Qual era o sonho mais secreto que o senhor carregava na bagagem? 

Qual é a sua comida italiana favorita da família, e o que ela te faz sentir? 

Minha comida de família favorita é, sem dúvida, a polenta cremosa com frango ao molho. Afinal de contas a polenta sempre foi nossa identidade mais marcante, nossa família era conhecida pelos donos das terras e seus filhos esnobes de "polenteiros". A polenta foi a única comida possível nos tempos difíceis na Itália, e a nossa identidade cultural no Brasil. Ela me faz sentir uma sensação de pertencimento e aconchego. O cheiro do fubá cozinhando e do frango com molho na panela me transporta instantaneamente para a cozinha da nonna, onde o tempo parecia parar. O fogo lento, a colher de pau rodando sem parar, o avental da vovó, o calor da cozinha, o barulho do vovô ralando o queijo com calma, sem pressa, ao ritmo do cozimento do fubá, aquela dança que era o caminhar da pia até o fogão, a música doce dos pratos e garfos sendo colocados cuidadosamente na mesa, a garrafa de vinho sendo aberta. É a comida que tem gosto de casa, de abraço e de história. Mas tem também o pão, receita de família, mandada de geração em geração. A Anita aprendeu com a mãe na Itália, melhorou a receita no Brasil, ensinou a Júlia que ensinou a Maria, que com muito amor e paciência me ensinou, para que eu possa continuar a fazer viver essa tradição que comigo voltou à Itália. 

Se você pudesse visitar hoje a cidade na Itália de onde nossos antepassados vieram, o que você acha que sentiria ao chegar lá? 

Com certeza vou visitar, está nos meus planos a curto prazo e já pensei muito no que eu vou sentir. Acho que vou chorar porque sou muito emocionada, vou sentir uma mistura muito intensa de curiosidade e familiaridade. Provavelmente, ao ver as ruas, as casas e as paisagens, eu vou com certeza pensar: 'Ah, então foi daqui que tudo começou.' Sentirei sem dúvida uma conexão profunda, quase física, com o passado, como se uma peça que estava faltando na minha identidade finalmente se encaixasse. Será como um retorno para uma casa que nunca conheci. 

Tem alguma expressão, palavra em italiano ou dialeto que você conheça e que a família ainda usa sem perceber? 

Vivendo na Itália há tantos anos tenho medo da minha experiência que vivo aqui brincar com a minha lembrança, mas me lembro da minha avó falar "ma vá lá", "porca miséria", "porco cane", "Madonna" e várias outras expressões desse tipo. Ou uma pequena oração... são tantas boas lembranças... 

O que você acha que herdamos de 'jeito italiano' no nosso jeito de ser? 

Definitivamente, o trabalho, a lealdade, a palavra dada, o fervor em tudo o que fazemos. Somos muito expressivos, falamos com as mãos, e a nossa lealdade familiar é inegável, para o bem ou para o mal! Herdamos também um certo otimismo teimoso e a crença de que tudo pode ser resolvido com boa comida e boa companhia. 

Tem algum objeto em casa que pra você representa essa nossa herança? 

Sim, muitas fotos antigas e um banquinho de madeira feito pelo meu avô. Outros objetos ficaram com outros familiares e, infelizmente, penso que não existem mais. O banquinho é um objeto simples, mas cada vez que o vejo, ou me sento nele, e penso que ele foi feito pra minha avó sentar pra amamentar os filhos, e eu também tive esse gosto de sentar e amamentar minha filha, sinto o peso da história e a continuidade da nossa linhagem. 

O que você acha que os italianos que vieram para o Brasil sentiriam ao ver nossa família hoje? 

Esta é uma pergunta de um milhão de euros!!! Mas acho que talvez ficassem surpresos com a mistura de culturas, ficariam felizes por ver a alegria e a fartura nas nossas mesas, algo que era um sonho tão distante para eles na época da imigração. 

Você já imaginou como seria sua vida se a nossa família nunca tivesse saído da Itália? 

Engraçada essa pergunta, porque essa, com certeza é uma coisa que penso demais! Imagino uma vida talvez mais tranquila, tradicional, cultural, uma vida com mais conhecimento, muita simplicidade, mas muita segurança, vivendo em Sacile ou ali perto. Eu provavelmente teria um sobrenome diferente, falaria o dialeto da região e meu foco seria muito mais voltado para a cultura local. Seria outra pessoa, mas no fundo, a essência do amor pela família e a paixão pela culinária/pelo trabalho seria a mesma. Meus avós e minha mãe teriam tido mais oportunidades, eu também teria tido, é isso o que eu vejo que aconteceu com as famílias que ficaram aqui e suportaram os tempos difíceis e as guerras. 

O que você gostaria que os filhos ou sobrinhos soubessem sobre a nossa origem italiana? Gostaria que soubessem que a nossa origem não é apenas sobre o sobrenome ou a cidadania. É sobre força. Que eles vieram de um povo que deixou tudo para trás por uma esperança, e que o valor do trabalho, da união e da educação é o maior tesouro que herdamos. Quero que sintam que a Itália não é só um mapa, mas uma parte vibrante de quem eles são. E por isso fiz a viagem inversa, retornei e trouxe minha filha, pesquisei sobre nossa família, contei e escrevi todas as histórias que ouvi, para que nossa essência não se perca, não morra, e que possamos ter orgulho de quem somos e das nossas origens. 

Se você pudesse ensinar uma única tradição italiana para todos os seus amigos, qual seria e por quê? 

Eu ensinaria o 'Aperitivo' ou a importância de sentar-se à mesa com calma. O Aperitivo não é só beber algo antes da janta; é o momento de desacelerar, socializar e celebrar o fim do dia com leveza, sem pressa. A vida é muito corrida, e essa tradição nos força a parar e apreciar a companhia e o momento. 

(Luciana Zanetti é bisneta de Giuseppe Zanette e Teresa Cancian, bisneta de Amilcare Maiocchi e Anita Giulia Malinverni, neta de Antônio Zanetti e Julia Anna Maiocchi, filha de Maria Zanetti. Poços-caldense que atualmente mora na Itália)

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Pequenas conversas familiares


Panela de fazer polenta da avó Ângela Da Ré

Como parte das memórias de família, inicio aqui uma série de breves entrevistas com parentes. Quem abre essa jornada é Ângela Teresa Migot, que relembra as tradições, valores e lembranças herdadas de seus pais (Antônia Maiochi e Luiz Nicola) e avós italianos. Histórias que ajudam a manter viva a identidade e a alegria de nossas origens.

Para você, o que significa ser descendente de italianos hoje em dia?

Ser descendente de italianos, para mim, significa ser muito alegre, comer muito, ser trabalhador, e ser de família grande.

Tem alguma tradição italiana que você gostaria que a nossa família mantivesse viva?

Celebrar nas grandes festas do ano, com muita comida, bebida, dar boas risadas, falar alto como se fosse uma briga.

Se você pudesse fazer uma pergunta para o nosso antepassado que imigrou, o que você perguntaria?

Perguntaria se valeu a pena ter vindo para esta terra, e como ficaram as pessoas queridas que não vieram?

Qual é a sua comida italiana favorita da família, e o que ela te faz sentir?

A comida preferida é a “polenta”, que me faz lembrar histórias de minha mãe, este alimento tão abençoado que alimentava a enorme família de meus nonos.

Se você pudesse visitar hoje a cidade na Itália de onde nossos antepassados vieram, o que você acha que sentiria ao chegar lá?

Voltando às origens, sentiria um misto de angústia e tristeza, porque eles não saíram para dar um passeio qualquer, mas tiveram que deixar suas tradições, amigos, raízes, para enfrentar uma terra nova desconhecida. Há de ter sido um sofrimento muito grande.

Tem alguma expressão, palavra em italiano ou dialeto que você conheça e que a família ainda usa sem perceber?

Expressões que se usava e até hoje: Dio bono; Dio keko.

O que você acha que herdamos de 'jeito italiano' no nosso jeito de ser?

Herdamos a alegria, falar alto com gestos, rir muito alto.

Tem algum objeto em casa que pra você representa essa nossa herança?

Tenho uma panela, que minha mãe contava, que a nona fazia as refeições (muito arroz). E também um grande caldeirão, que preparava gordura de porco e torresmos.

O que você acha que os italianos que vieram para o Brasil sentiriam ao ver nossa família hoje?

Hoje eles ficariam decepcionados e tristes com a crença, seria difícil entender as mudanças da religião dentro da família.

Você já imaginou como seria sua vida se a nossa família nunca tivesse saído da Itália?

Teria uma vida normal, com todas as virtudes da época. De bem com a vida, muito vinho, massas e cuidando sempre da vida alheia.

O que você gostaria que os filhos ou sobrinhos soubessem sobre a nossa origem italiana?

Que nossos antepassados foram valentes, época de fome, doenças, e guerras, e também nossos pais, estavam saindo da escravidão, ocasião em que a imigração foi incentivada para substituição de mão de obra rural.

Se você pudesse ensinar uma única tradição italiana para todos os seus amigos, qual seria e por quê?

Uma tradição que mais me marcou: a família, e os parentes, sempre unidos, nas comemorações e festividades (sempre festas religiosas) e também nos casamentos, aniversários, batizados, tudo com muitos assados, e vinhos, e bastante alegria.

(Ângela Teresa Migot é filha de Antônia Maiochi e Luís Nicola, casada com Antônio Migot)


quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A viagem de uma vida: a Itália que nossos antepassados deixaram para trás

 

Quando pensamos na imigração italiana, logo lembramos dos nomes de nossas famílias e das regiões de onde vieram. No meu caso, o coração do Norte da Itália, no final do século XIX.

Mas que Itália era essa que nossos bisavós e tataravós deixaram para trás?

Quando nosso bisavô ou tataravô embarcou num navio com uma mala de vime e um sonho, ele não estava apenas cruzando um oceano. Estava fugindo de uma realidade complexa e, muitas vezes, desesperadora. Entender a Itália daquele tempo não é apenas um exercício de história; é a chave para compreender a coragem, os medos e as motivações que moldaram o início das nossas famílias no Brasil.

Ao contrário do Sul, o Norte não era marcado pela pobreza extrema dos latifúndios, mas por uma crise silenciosa e profunda. A unificação italiana, concluída em 1870, cobrou seu preço: impostos altíssimos para financiar a nova nação pesavam sobre pequenos agricultores e artesãos.

Muitas famílias do Vêneto, por exemplo, trabalhavam em minifúndios e sofriam com a escassez de terras para dividir entre os filhos. Enquanto isso, as cidades, como Milão, começavam sua industrialização, mas não rápido o suficiente para absorver todos.

Foi nesse contexto de esperança contida que a notícia das fazendas de café no Brasil chegou, trazida pelas cartas dos primeiros imigrantes. A promessa de terra própria e um futuro próspero foi o vento que encheu as velas dos navios. A grande esperança: a Mérica.

Eles não eram fugitivos da miséria absoluta, mas sim conquistadores em busca de oportunidade. Deixaram para trás as paisagens dos vinhedos e as planícies não por desespero, mas por uma coragem calculada – a coragem de construir um novo legado sob um céu tropical.

Honrar sua memória é lembrar que nossa família foi construída sobre a base sólida da resiliência e do trabalho desses pioneiros.